Seduzida pela Sombra












Dar a conhecer as nossas fragilidades é duplamente doloroso. Primeiro porque nos expomos. Segundo porque as tornamos reais.
Julgo que é mais fácil viver sem dar a conhecer estes buracos internos que nos acompanham e por vezes nos corroem. Dá-nos uma sensação de controlo e um certo torpor.
Das vezes que experienciei a terapia de "pôr tudo cá fora", senti-me melhor, mais aliviada. Curiosamente, o processo que nos leva a "pôr cá fora" é longo, duro e solitário. Uma série de dúvidas assaltam-nos: "Mas porque me queixo se tenho tanto para agradecer?", "Isto nem é bem um problema, para quê preocupar os outros?", "Eu nem sei bem porque raio me sinto assim..."
Não sei se o processo prevalece pelo egoísmo, se pelo altruísmo. Se prefiro guardar para mim esta dor e achar que estou num sítio que ninguém compreenderá. Ou, se pelo contrário, quero poupar os outros das minhas angústias infundadas e infantis. Provavelmente por ambos.
Diz uma canção da Mariza: "Deixo-me aqui onde a sombra seduz". E não é que a sombra seduz mesmo?
Como é bom deixarmo-nos engolir pela tristeza e ficar numa certa dormência em que o mundo continua a girar enquanto estamos apenas ali: a aguardar que o tempo passe e se esqueça de nós.
Deixar-nos inundar pela luz, parece ser uma dádiva da qual não somos merecedores. E não somos de facto.
A verdade é que a maioria das razões que nos levam para a escuridão são da nossa responsabilidade. A incapacidade de lutar contra os quilos que se foram instalando sem licença e se refletem no espelho como um monstro horrendo que repudiamos com as nossas entranhas. As dores, aqueles inquilinos indesejáveis aos quais não conseguimos dar ordem de despejo. As limitações que associamos ao galopar da idade: o cansaço, as insónias, o mau humor pré-menstrual, que passou de pré a pós-e-a-todo-sempre! A frustração de não ser a melhor esposa, a melhor mãe, a melhor irmã ou amiga. Em dias bons, conseguimos achar-nos uma boa (mas não a melhor!) profissional, mas rapidamente tomamos consciência dos 500 outros papéis em que não o somos.
E é tão fácil termos pena de nós mesmos e não fazer nada para mudar!
As batalhas diárias engolem-nos e mudar aparece-nos como um gigante cavalo de Troia que não teremos força para derrubar.
Dou por mim a pensar no que me faria sentir melhor.
Dormir profundamente, sem sonhos nem pesadelos, sem os dedos pequenos a acordarem-me por causa dos terrores noturnos, ou sem aquela dor latejante que teima em marcar o ritmo dos ponteiros do relógio.
Comer sem contar calorias ou quantidades, sem o amargo de boca que aquele pedaço delicioso (mas criminoso) vai deixar quando a roupa não servir.
Olhar para o espelho sem medo ou vergonha do que vou ver.
Abraçar os meus filhos sem a culpa de não ter dado o meu melhor.
O que me impede de usufruir destes pequenos (grandes) prazeres? EU.
E enquanto não ganho força para destruir o cavalo oco de Troia que vive em mim, deixo-me seduzir pela sombra. E lá adormeço, entorpecida pelo silêncio e embalada pelos sonhos que um dia conseguirei realizar.


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